🔵 Carro véio

 




Festa de fim de ano da empresa é sempre igual: o pessoal do operacional encontra a turma do escritório. Desta vez, foi numa churrascaria fina. Sem novidades, seguindo as regras: beber com moderação e ser discreto.


O manobrista, acostumado, naquela região, a estacionar Ferraris, Lamborguinis, Maseratis, Porsches e outras exclusivas máquinas, foi obrigado a guiar o meu esforçado e honesto Gol 86. Tenho certeza que meu carrinho bege foi abandonado numa viela qualquer. Confesso que este pensamento me comoveu, como se meu primeiro automóvel tivesse atributos humanos. Afinal, mesmo sendo a álcool ele “pegou” sem sequer eu precisar puxar o afogador pra esquentar, não me fez passar vergonha (sendo empurrado) e me trouxe até o bairro nobre. Entretanto, não foi desta vez que meu golzinho ficou em boa companhia, ao lado de carrões.


Chegando na churrascaria, tudo certo como previsto: cumprimentos, apresentações e um previsível ‘Amigo Secreto’. Após o desfile de peças de carne e alguns chopes, havia chegado o momento de resgatar o carro nem tão antigo, que me desse o “status” de um excêntrico colecionador; nem tão novo, que merecesse estrelar o pátio da estrelada churrascaria. No entanto, o episódio foi ainda mais embaraçoso do que eu imaginava.


Mesmo me despedindo relativamente cedo, eu fiquei “mofando” na porta, aguardando a devolução do meu bravo carrinho. Apesar de não estar usando o uniforme do porteiro, eu fiquei plantado ali, me despedindo novamente do pessoal operacional, da turma do escritório e da chefia. Eu assisti a um festival de veículos nem tão luxuosos, nem tão..., digamos, exóticos quanto o meu. 


Isso já era humilhação demais, portanto, como se eu fosse o abonado proprietário de um dos carrões dali, resolvi cobrar celeridade do manobrista. Porém, tava na cara que eu só estava naquele ambiente por conta da confraternização da firma. Todos os sinais deixavam mais óbvio que o Gol bege jazia debaixo de uma árvore, numa rua escura.


Finalmente, o barulho denunciou a aproximação do meu transporte. Tranquilo por não ter que atravessar a cidade de ônibus, conferi se o manobrista havia saqueado as balinhas e moedas que transbordavam do console e parti.


Postagens mais visitadas deste blog

Inseto Insípido - Letra: Rafael da Silva Claro (1996) ▪️

Canetada

Operação gambiarra