🔵 Ponte sobre águas turbulentas




De vez em quando, alguém dava a péssima notícia: “Fulano” morreu afogado na represa de Mairiporã. Cidade vizinha a Guarulhos, Mairiporã era um mistério que diziam existir atrás das montanhas, incrustada na Serra dá Cantareira. 


Um dia foi a minha vez de conhecer as águas da represa de Mairiporã. As estatísticas diziam que aquele dia poderia ser o último que eu seria visto com vida. 


O tempo estava bom e o ambiente era de um domingão quente de sol, celebrado com churrasco, cerveja e, argh, pagode paulista. A filial da Praia Grande estava lotada e bem animada. O final daquela animação toda, infelizmente, era bem triste. A sabedoria popular, acumulada com os anos, avisava que, no final do dia (lá pelas 18:00) o boca a boca espalharia, seriamente, que alguém morreu afogado e ainda não acharam o corpo. A sirene da ambulância apenas confirmaria o triste boato.


Crescendo na Grande São Paulo, eu acostumei a ficar sabendo que alguns amigos “saíram de cena”: morreram, foram presos ou, simplesmente, sumiram.


Pois bem, algumas cervejas foram suficientes para despertar uma coragem suicida. Pular nas águas turbulentas de Mairiporã não representavam mais uma ameaça. O efeito do álcool dissipou as minhas lembranças tenebrosas daquele rio e suas águas contaminadas com sangue humano. Agora a feroz correnteza não parecia mais ameaçadora que uma piscina olímpica com um toboágua.


Subi, transpus a grade, mirei um ponto e saltei. Conheci, empiricamente, porque aquele era um rio assassino: bati meus pés e joelhos quase como se pulasse num riacho raso. Com bastante dificuldade, venci a correnteza, alcançando as pedras da borda. Descobri, da pior maneira possível, que o leito do rio e a correnteza faziam, conjuntamente, todo o serviço sujo, transformando meus amigos em estatística.


Agora, meu A+ foi diluído nas águas de Mairiporã. Já deve ter “navegado” o Rio Tiête, o Rio Paraná, o Rio da Prata (Argentina) e desembocado no Oceano Atlântico.


Na hora de ir embora, tudo, como previsto, confirmou-se: o boca a boca, o afogamento, o sumiço, o bombeiro... 










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