🔵 Salto ornamental

 



Eu insistia em chamar de trampolim, no entanto aquilo era só uma base fixa. Eu já havia desbravado todo o parque aquático do Corinthians, apenas restava aquele desafio. Fiquei, durante semanas, analisando cada detalhe da plataforma, a fim de realizar um salto perfeito. Não poderia ser muito difícil, afinal eu já tinha assistido a isso em algumas olimpíadas. 


Decidi subir até a plataforma. Os degraus foram vencidos com confiança e tranquilidade. Entretanto, nos últimos degraus, as pernas, demonstrando vontade própria, quiseram recuar. Meus derradeiros passos deram a impressão de que tudo o que eu via estava em câmera lenta, os gritos e risos, distorcidos. A multidão esperava o meu salto com uma apreensão que aumentava demais a minha responsabilidade.


Descobri, tarde demais, que aquilo era muito alto. A expectativa da “plateia” aumentava. O que era para ser uma discreta e, no meu caso, tímida sondagem, tornou-se uma viagem sem volta. Seria muito vergonhoso fazer o que eu havia planejado: conferir a altura e descer a escadinha. Não poderia recuar. Teria que dar um comum, porém honesto e honroso salto.


Eu não tinha onde segurar, então, a única solução era me lançar em direção àquele tanque d’água. Lembrei do que havia visto na televisão, então, como quem estava acostumado com aquele esporte, fingi um alongamento e, nervoso e com medo, me esticando todo, tomei a posição. Durante todos os procedimentos preparatórios, fiz cara de confiança, para simular que eu sabia exatamente o que estava fazendo; contudo minha mente só perguntava o que eu fazia naquele “poleiro do capeta” pronto para cometer um “suicídio assistido”. Me atirei, como quem se livra de um prédio em chamas. A gravidade faria o resto.


Sem manobras, mas sem desistir, parece que tudo demorou mais que aquele simples pulo. Se a “plateia” esperava um grande salto, decepcionei; porém, se queriam assistir a mais um candidato recuando, também se decepcionaram.


Inclusive estou ciente de que traí as expectativas de quem esperava um final espetacular para esta crônica, porém, só de não refugar já foi uma vitória. Mesmo que pessoal, foi uma vitória.

Postagens mais visitadas deste blog

Inseto Insípido - Letra: Rafael da Silva Claro (1996) ▪️

Canetada

Operação gambiarra