🔵 Está todo mundo preso

 


O velhinho que sentou ao meu lado era o avô da minha colega. Ele até que parecia alto, mas sua idade também deveria ser alta, uns 80 anos. Estavam impressos na carranca uma personalidade forte e aparência sisuda — aspectos estampados no rosto, próprios de quem passou a vida combatendo algum inimigo.


Ao meu lado estava o Coronel Erasmo Dias, ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, coronel do Exército e político. O nome pomposo ganhou maior relevância quando recordei que aquele senhor exercia o cargo no temido período militar. O senhorzinho passou a impor um respeito tácito por eu saber que ele liderou a histórica ação repressiva dentro da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) e sua frase famosa é: “Está todo mundo preso”.


Aquele vovô esperando a formatura da neta, que lembrava um idoso na sala de espera do posto de saúde, levantou-se para congratular a garota. De repente, voltou o vigor de quando os militares eram o governo federal. O brilho nos olhos, a voz de comando, a postura e os  gestos firmes evocando atenção, me fizeram acreditar que ele era o mesmo militar daquela noite na PUC. 


Se eu não soubesse da personalidade do coronel linha-dura, desconfiaria que estaria passando uma tropa em revista; às vezes, que estava havendo enquadramento; nos momentos mais exaltados, que a sala toda respondia por subversão à ordem pública, na Lei de Segurança Nacional. Aquilo estava a ponto do célebre coronel berrar: está todo mundo preso. Mas 22 anos de redemocratização seriam suficientes para aquele comando ser anacrônico e valer como um autógrafo.


Dois anos e meio depois, ouvi no rádio que o Coronel Erasmo Dias havia falecido. A notícia foi o preâmbulo para o jornal relembrar acontecimentos dos ‘Anos de Chumbo’, tendo o Coronel como principal personagem. No telejornal do almoço, a reportagem transmitia um “flash” ao vivo. Numa Assembleia Legislativa deserta, o caixão era velado por uma pessoa: minha amiga.


O Coronel Erasmo Dias, que era parte da História do Brasil, naquela sala, ele esteve ao meu lado. Sabendo do seu histórico, avaliei que aquele velhinho, num quebra-pau, daria trabalho.

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