Nascido em 4 de Janeiro 🔵



Não tentei nenhum subterfúgio, arrimo de família, sem chance. Eu poderia fazer como quase todos, pedir para alguém influente conversar com o sargento para me liberar do serviço militar obrigatório. Mesmo sabendo que o ano seria “perdido”, deixei o destino seguir seu curso. Entreguei toda a papelada, fiz os exames, as entrevistas, quando me dei conta, estava fazendo flexões e contando: 1... 2... 3... Não fui contemplado pela última salvação: o excesso de contingente. Já era tarde, teria que acordar cedo.


Como um sapo, não se dando conta que foi mergulhado em água gradualmente esquentando, eu estava servindo o Exército Brasileiro, no Tiro de Guerra. Adeus bermuda e chinelos, nos dias seguintes, eu vestiria fardas engomadas (camuflada e verde-oliva), boina, coturnos engraxados, cinto funcional, alguns penduricalhos militares e um fuzil carregado. Em vez de Ultraje a Rigor, Capital Inicial, Beatles e Legião Urbana, teria que decorar e berrar velhos hinos e canções bélicas. Realmente, aquilo era muita coisa pra quem não sabia sequer quem era o inimigo. 


Até aquele momento, tudo o que eu tinha ouvido falar de militantes não era bom, reflexos dos Anos de Chumbo. Pronto, agora eu era um resquício da Ditadura, como a Lei de Segurança Nacional; adquirira uma doença chamada “Síndrome do Pequeno Poder”; para os detratores, seria um “Periquito do Governo”. Na menos pejorativa das hipóteses, eu agora era um agente opressor, a mão forte do Estado. Logo eu, que há pouco tempo brincava de carrinho, empinava pipa e ainda jogava bola na rua!


Só que aquela ojeriza aos militares era política, então eu não podia herdar um ódio que não era meu. Muitos exercícios, muita ordem unida, cerimônias enfadonhas, mas, também, histórias, festas e um interregno para reflexão. A imagem das forças militares que me impingiram era anacrônica, fazia parte de outra época. O que fazíamos ali, era brincar de Terceira Guerra Mundial. O que de efetivo fazíamos, eram as campanhas do  Agasalho e de Vacinação. Era embaraçoso, para quem vivia empunhando um fuzil e uma baioneta, mas provava que o antes temido Exército, o braço armado do Governo, ressurgia emulando o Zé Gotinha ou agia como o Exército da Salvação.


Passado quase um ano, com má vontade de entrar em forma, marchar ou ficar de guarda, mudou a imagem que eu recebi sobre as Forças Armadas. Saí de lá com a realidade das campanhas do Agasalho e Vacinação e que estávamos brincando de soldado e guerrinha, para enfrentar um inimigo imaginário ou a doença e o frio. Pior, de capacete, metralhadora e … cueca.


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