🔵 Vale das sombras

 



Apesar de ser um colégio público, aquele ambiente era um vestíbulo para “herdar a presidência das empresas do papai”. Talvez, muito enganosamente e preconceituosamente, mas essa era a impressão. Além disso, minhas notas me conduziam para o abismo. Portanto, alguma atitude seria urgente para mudar aquilo.


A transferência para o período noturno, era, automaticamente, o descenso para a “série B social”. A aquisição de um emprego tinha o condão de atribuir alguma nobreza à transferência ao “depósito estudantil”. O trabalho no “sacolão” ao lado da minha casa tinha “status” de bico, e viver entre frutas e verduras parecia que não traria grande futuro.


A loja de roupas no “shopping center”, o ônibus, a folha de ponto e o horário de trabalho dariam a responsabilidade que eu precisava, além de eu atingir os meus reais objetivos. Com 16 anos de idade, era um bom primeiro emprego, não precisava fritar hambúrgueres e não perderia mais um ano escolar.


Apesar de ser um colégio, no período noturno, paradoxalmente, os estudos não eram prioridade. Provavelmente, descobri a gênese do eterno país do futuro. Os corredores compridos foram contaminados pelo carteado. Definitivamente, troquei as aulas de Geografia, Matemática, Física, Química etc por um cassino clandestino de periferia. Tive certeza, aquele lugar não era propício para aprender, portanto não traria um futuro decente a não ser de crupiê; diferentemente do emprego no “shopping”, que pagava um ordenado interessante para um moleque de 16 anos.


Enquanto isso, nas aulas vagas, pular o muro fugindo da “escola-presídio” me mantinha numa distância segura do baralho e de “náufragos, traficantes e degredados”. Fugindo da lógica, pela primeira vez, me evadir do ambiente escolar me afastaria da escória estudantil, da ‘Copag’, da ‘Philip Morris’ e da ‘Souza Cruz’.


Amizades, festas e pouca instrução. Naquele estaleiro de gente, quase vagando entre almas perdidas, eu presenciei o futuro do país do futuro no nascedouro. 

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