A péssima arte 🔵

 




Jules e Jim, filme de 1962, do diretor François Truffaut, no CineSesc. Apesar de a ideia de assistir ao filme “cabeça”, do diretor “cabeça”, na sala de cinema “cabeça” ser minha, teria que fingir, novamente, para minha namorada, que eu era um cara “antenado” e me amarrava em filmes de diretor, iranianos e outros muito exóticos. Sabia que aquela seria minha missão mais impossível.


O roteiro já estava arquitetado na minha mente: assistiria à obra fazendo cara de crítico de cinema; depois, no café, comentaria, com afetação blasé, (aparentando completa indiferença), fotografia, interpretação, trilha sonora, figurino etc e citaria grandes cineastas — desses que “pega bem” citar, mas poucos veem. Exemplos: o próprio François Truffaut, Federico Fellini, Jean-Luc Godard, Ingmar Bergman, Jean Renoir e Fritz Lang. Acredite, isso é muito esforço para quem tem como background a Sessão da Tarde, Tela Quente e blockbusters em geral. Com muito esforço mental, poderia citar Steven Spielberg ou James Cameron. Pela fraude que armei, acho que isso não pegaria muito bem. Para embasar mais, dar verossimilhança ao meu truque e, lógico, enrolar bastante, comentaria os festivais — não! Mostras de cinema — de Cannes, Sundance e outros muito obscuros. Oscar, nem pensar!


A pantomima ficaria completa se eu, com os dedos polegares e indicadores, enquadrasse uma cena imaginária no ar. O meu diálogo — na verdade, monólogo — seria com gestos muito afetados — como um diretor de botequim, falando de um filme genial que  nunca sai do papel. Só não armaria o figurino — com boina, cachecol, óculos escuros e cigarro — porque a produção ficaria cara. Seria suficiente, durante o filme, a cara de conteúdo com o polegar e o indicador sustentando o queixo.


Na sala, verifiquei que as poucas pessoas da plateia deveriam ter visto Jules e Jim na estreia, em 1962. O começo foi estranho, entretanto a obra foi muito bem recomendada e eu tinha um plano bem urdido, nada poderia expor a minha farsa. Mas a casa caiu.


Assim que as luzes se apagaram, eu lutei contra o sono, mas ele venceu. Ali ficou claro, pro cinema inteiro, que aquele espectador era um farsante acostumado com  De Volta pro Futuro, Indiana Jones, Karatê Kid e Titanic. Pronto, a falcatrua chegava ao fim. Aquela cena do café acabou como um filme ruim.


Na grande oportunidade de exercer meus dotes artísticos e parecer alguém descolado, me revelei um canastrão. Porém, de cabeça erguida, mas como sempre, acabamos num fast food comendo o sanduíche do palhaço e bebendo a água negra do imperialismo.

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