Ela é bailarina, eu sou funcionário 🔵

 



É uma experiência estranha martelar e serrar ao som de Tchaikovsky em vez do Katinguelê, no entanto eu já fiz isso. A um passo do mundo de palco, luzes, música clássica, fantasias, bailarinas e palmas, me sentia como um pipoqueiro na porta de um teatro da Broadway.


Eu sempre soube que o objetivo seria uma excelente estrutura para a apresentação de balé, por isso, juro, sempre martelei cada prego, carreguei algo ou colei — mesmo que com fita crepe — algo tendo a absoluta certeza que o sucesso da apresentação dependia de mim, em vez das bailarinas — com anos de estudos e dias de ensaio.


Tenho que admitir o que sempre pareceu óbvio: o trabalho de engenharia, mais cerebral, ficava com meu cunhado e meu irmão, mas justiça seja feita, eu era... ,digamos, esforçado. Além de tudo, fora o sangue derramado e alguns perrengues passados, o período de brainstorming e execução eram sensacionais, sobretudo pelas cervejas revigorantes.


Finalmente a grande noite, o espetáculo. Acho que as bailarinas me viam como alguém estranho, um intruso, pois enfim bem trajado, banho tomado, perfumado e roupa da grande noite, eu me sentia um mendigo de cartola e fraque.


Mas o trabalho não havia acabado. A correria atrás do palco era incessante. Entre tules, cetins e lantejoulas eu corria — pedindo licença para bailarinas irreconhecíveis por causa das fantasias e maquiagens. Só descansava no alto (atrás do palco), ao som de música clássica, me sentindo o Fantasma da Ópera ou o Corcunda de Notre Dame. Ainda bem que a luz não me expunha, porque iria revelar uma face melancólica.


Ao final de tudo, tínhamos o merecido descanso. Os peões parabenizavam as bailarinas pelo balé; elas talvez nos parabenizassem, sei lá, por uma  madeira bem pregada, um fio bem isolado, um parafuso bem apertado ou um linóleo bem esticado. Mas tudo bem, o importante é que nos sentíamos parte daquilo — furando a fila, entrando de penetra ou cortando o caminho para o mundo do espetáculo — e na confraternização teríamos pizza. Aliás, é como tudo acaba.


Para as bailarinas, o mundo dos sonhos é dançando; para o funcionário, é dormindo. 

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