Ócio criativo

 




Eu também gostaria de ganhar sem fazer nada ou “matar” uma cerveja geladinha na “faixa”. Alguns falsos poetas tiveram essa ideia e viram em mim alguém com o perfil de quem curte esse tipo de arte ou apenas uma vítima em potencial com algum dinheiro. 


Apesar de ter frequentado muito a Vila Madalena, não sou um consumidor de poesias, nem tenho o aspecto desse tipinho. O que me sobrou foi o figurino de vítima perfeita. Dinheiro: talvez eu tivesse o suficiente para arrematar alguns sonetos. Quem sabe, o poeta insone aplicava a seguinte estratégia: um casal é venda certa, porque ele sempre irá adquirir um poema para ela, mesmo que ruim, fingindo ter a “cabeça aberta”.


Justamente na Vila Madalena, um suposto poeta, talvez em crise criativa ou com depressão, apareceu trajando um pijama infantil, com gorrinho e tudo. Eu, sério, fiquei examinado aquela cena, incrédulo. Aquilo era algo inusitado, mesmo para os padrões da Vila Madalena. O sujeito se apresentou como poeta. Ali é um bairro boêmio, então eu saquei a dele: o sedizente artista  se achava o arquétipo dali, como uma vendedora de acarajé, com turbante, em Salvador; um cara esperto fantasiado de Malandro Carioca, no Rio de Janeiro; ou um fulano paramentado de vaqueiro, em Barretos. Peguei e verifiquei uns sonetos, trovas e haicais. Pensei: isso tem de monte nos e-mails da minha irmã. Eu precisava dispensar o falso poeta e manter a minha pose de intelectual. Juntei tudo e fiz cara de desprezo. Acho que colou. Escapei, quase vi minha cerveja esvaziando sem o meu esforço e meu dinheiro batendo asas. 


Na fila do teatro, surgiu um camarada trajando andrajos. Ele estendeu um livrinho de uma única poesia, confeccionado com fibra de bambu. O cara ofereceu o objeto como se fosse um objeto irrecusável. Lá fui eu bancar o “descolado”. Peguei o livro, observei e senti a textura, achei o texto ruim e exíguo, fiz cara de que já tinha visto melhores e devolvi-o. O meu comentário foi que o único valor do volume era ser feito de cânhamo, digo, fibra de bambu.


Na Avenida Paulista, eu sempre era abordado pelas vendedoras da revista Ocas e também convidado, quase coercitivamente, a ver quais peças estavam em cartaz na banquinha do “Vá ao Teatro”. De novo, teria que fingir estar antenado com a “cultura paulistana”. Parei, olhei e demonstrei decepção por não ter encontrado nada de William Shakespeare, Bertolt Brecht ou baseado no método Stanislavski. Acho que impressionei! Na verdade, sempre preferi assistir aos filmes do Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Jean-Claude Van Damme e Chuck Norris.


Absolutamente, jamais pude ser confundido com um bicho-grilo. Eu nunca fui alguém que possuísse o estereótipo de esquerdista. Ninguém me flagraria numa manifestação Black Bloc, com uma camiseta do Che Guevara ou com um cartaz #Ele Não. Fatalmente, hoje eu seria tachado, injustamente, de fascista, nazista...

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