🔵 Venda da Japonesa

 

Hospedaria dos imigrantes 


Venda ou quitanda era como chamávamos o mercadinho de secos e molhados. Eu nunca soube se as ratazanas que cruzavam os corredores do velho armazém se encaixavam nos secos ou molhados; pelo aspecto, provavelmente as secas saíam da prateleira ou do depósito, e as molhadas, do esgoto. Eu só desisti de ser cliente da venda quando tentei comprar “chicletes” que, mais que vencidos, há muito tempo tiveram sua fabricação interrompida.


Pois bem, aquele pequeno comércio de bairro já era anacrônico no começo dos anos oitenta. Entrar no imóvel antigo era como visitar um lugarzinho parado no tempo. De repente, a circulação de carros, buzinas e sirenes eram substituídas por um silêncio que destacava cada ruído lá dentro. 


O empório apresentava um aspecto oriental, quase místico, com o casal de japoneses, sendo que o velho, sempre aparentando um cansaço inexplicável, parecia fazer parte da mobília. Na verdade, o velho japonês me surpreendia com sua presença entre sacos de cebolas, batatas,  algum cereal e... roedores. 


Definitivamente, o comércio de secos e molhados não era um típico lugar que agradaria o meu paladar infantil. As bolachas, salgadinhos e “chicletes”, vasculhando bem, poderiam ser encontrados, mas a data de vencimento, sobretudo o frenético trânsito dos mamíferos roedores desencorajavam o consumo.


O mercadinho dos japoneses, a padaria do português, a oficina do italiano, a loja de móveis do turquinho (que poderia ser libanês), a casa dos árabes etc. Sem xenofobia, as pessoas e o comércio eram identificados pela origem, revelando a nacionalidade da imigração e miscigenação. Na escola era mais discriminatório (no sentido literal de diferenciação): as características físicas prevaleciam sobre a etnia.


Ir naquela venda era uma aventura, uma viagem no tempo ou a imersão numa outra cultura.  O lugar que não existe mais, assim como o casal de japoneses, nunca foi um endereço recomendado para aplacar a fome, mas, como nos filmes, era o endereço certo para ativar a imaginação. 

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