Fotografou?



 Acordei de madrugada, a mochila já estava carregada desde a noite anterior. Banho e café, tudo em ordem. Coloquei a mochila nas costas e saí em silêncio para não acordar ninguém. Ainda estava escuro e silencioso, a cidade terminando seu descanso para iniciar mais um dia frenético. Abri e fechei o barulhento portãozinho de trinco, bem lentamente para não acordar meus pais, mesmo sabendo que essa atitude seria inócua, porque, provavelmente, eles estavam acordados.


Ali começava um “mochilão” nacional. A viagem seria sem destino preestabelecido e com pouco dinheiro. Portanto, eu não poderia ir muito longe, nem ficar fora muitos dias. 


Acredito que entrei no primeiro ônibus até o Terminal Rodoviário Tietê. Chegando lá, corri para comprar o bilhete para o “double deck” que me aguardava para partir para o Rio de Janeiro.  Pronto, o primeiro destino já estava definido. Eu tinha que aproveitar bem o serviço de bordo para economizar algumas notas. 


Fora de temporada, consegui negociar alguns preços. Como foco central, boas fotografias, que somente poderiam ser clicadas, na época, com a minha câmera ‘Nikon’ antiga, mas profissional.


Por segurança e uma mania de desconfiança paulista comecei a viagem como uma experiência contemplativa. No entanto, logo eu começaria meus cliques. Visitei e fotografei cidades, paisagens, construções, monumentos, estátuas e igrejas.


Guarapari, Espírito Santo. Não é todo dia que se volta para casa de escuna em vez de sacolejar pendurado num ônibus. Uma mesa de frutas permanecia intocada. Aquela cenografia parecia me encarar. Não me fiz de rogado e aproveitei para  atacar as frutas tropicais que enfeitavam a embarcação. Sei que agi como um náufrago, mas a vergonhosa atitude tornou o meu “mochilão” muito mais saudável e econômico.


Decidindo o itinerário nos guichês, letreiros e quartos de hotel, percorri 4 estados e 8 cidades em 15 dias. Sempre, claro, testando e treinando meus modestos conhecimentos e badulaques fotográficos. Esse tipo de viagem tem que ser antiturística, econômica, sobrenatural e de autoconhecimento. Fora acontecimentos esotéricos, o “pé-na-estrada” foi bem sucedido. A coisa mais estranha que vi, foi um “punk” caipira equipado com garrafinha de pinga e cigarros de palha.


Depois de avistar um punk mineiro, achei que já tinha presenciado o suficiente e entrei num “busão”, saindo logo pela manhã. Rumo: minha aldeia.


A falta de perícia como fotógrafo não perdoou, portanto descobri que o filme não rodou. Pelo menos tive um olhar mais, digamos, atento para as paisagens, monumentos e igrejas. Eu já estava ciente de que as melhores lembranças nunca são registradas. 


Sem as fotografias e sem acontecimentos inexplicáveis, o que sobrou não foi pouco: boas lembranças substituindo as fotos, a sensação de liberdade que só o “mochilão” proporciona e o planejamento da próxima viagem.


  

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