🔵 Uma Coca-Cola no deserto

 


Não era um lugar qualquer, era uma serra gaúcha. Não aquela Serra Gaúcha turística, conhecida em guias de viagem, onde as pessoas são transportadas pelos pontos conhecidos e manjados. Era a zona rural do Rio Grande do Sul, a serra gaúcha “roots” (raiz), onde o Homem tem que dominar a natureza, e o vizinho mais próximo mora numa outra montanha.


A caminhada era necessária. No início do trajeto, carros de boi, criações e uma vastidão de fazenda era quase tudo o que os olhos enxergavam. As únicas diversões eram atacar pedra, partir lenha e colher folhas de fumo. Enfim, diferente do que eu imaginava, ali a vida era bruta, quase um teste de sobrevivência, não um fim de semana na fazendinha da vovó. Basicamente, tudo o que era trabalho, era o nosso passatempo. Aquele ambiente hostil parecia incompatível, sobretudo perigoso, para moleques de 15 anos de idade, acostumados com a vida urbana da Grande São Paulo.


O dia ensolarado, um calor absurdo, a estradinha de terra poeirenta e uma caminhada insana. Embora impossível, para compor o clima árido, faltavam uma bola de feno rolando, uma carcaça de gado e o som de uma águia procurando alimento.


O cenário sugeria qualquer marca de refrigerante. Entretanto, naquele fim de mundo era improvável que houvesse algum bar (ou bodega, como eles diziam). Sabendo que encontraríamos uma bebida gelada somente no centro do vilarejo, caminhamos, subimos e descemos montanhas.


Tinha que enxergar muito bem para perceber que havia uma cabana no pé do morro. De madeira, não parecia uma casa, mas também não lembrava um bar (ou bodega, novamente, como eles diziam).


Quando chegamos, a surpresa! Com a aproximação, a possibilidade de que fosse uma residência estava descartada, tampouco uma miragem. No entanto, quando vimos o tipo de mercadoria que o empório comercializava, a sede alcançou patamares saarianos.


De comer, achamos ração animal e veneno de rato. Fora isso, tinha ferramentas, produtos agrícolas, arreios etc. Apesar da decepção, decidimos arriscar, pedindo uma Coca gelada. Contrariando as expectativas, o refrigerante veio. Tudo lembrava o cenário de um comercial da Coca-Cola. A garrafa, apesar de minúscula, chegou suando, destoando do ambiente seco e fosco, em cima do balcão de madeira.


A primeira Coca-Cola mereceu uma música de Fernando Brant e Milton Nascimento, então acho que minha inesquecível Coca-Cola mereceu a minha humilde crônica.






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