Budismo high-society 🔵

 



Só poderia ser ali, a única casa em estilo oriental da região. A decoração “muito louca e os  sininhos na porta não deixavam mais dúvidas. Se fosse centro de macumba a localização seria em Itaquera, Cidade Tiradentes, Parelheiros ou qualquer bairro de periferia. Mas como era a religião dos ricos e famosos, o endereço do templo budista era no bairro de Perdizes, barro nobre de São Paulo.


Chegando lá, tive que encarar uma turminha que estampava o arquétipo perfeito de quem fazia mapa astral, jogava tarô, acreditava em ETs, bruxas, gnomos, energia, esse tipo de coisa. Ah, também viajava para lugares como São Tomé das Letras. Ninguém poderia descobrir, mas eu era um corintiano comum e superficial sem análises muito embasadas da existência, apenas à procura de uma cerimônia diferente da missa católica. Me adaptei como pude: só com meias, falei mansamente “namastê” (fazendo o gesto) até para o porteiro.


Me apresentei e segui todo o ritual. Como não conseguia ficar na posição de lótus, nem relaxar, nem meditar, me senti um impostor. Além disso, eu ficava com um olho fechado e o outro aberto, sempre alerta (ou tenso), verificando se alguém, como eu, se sentia ali ainda — no meio da metrópole. Enquanto os outros pareciam ter voado sobre montanhas, nadado em rios cristalinos, tomado banho de cachoeira e descansado cercados de verde, eu somente ouvia ônibus, motos, buzinas e uma impressora matricial que deveria estar preparando o meu boleto.


Terminada a improdutiva sessão, nossa guru questionou se todos haviam “viajado” para terras distantes. Como os outros, aquiesci para não frustrar a hippie de butique. Creio que alguns não obtiveram os resultados prometidos, mas, como eu, não quiseram admitir em público.


Não consegui escapar dali sem antes visitar a lojinha. Suvenires, estátuas, objetos de decoração e livros, muitos livros. Publicações ensinando a meditar me fizeram sentir menos estranho.


Finalmente, fugi da experiência esotérica. Saí da estranha casa e ganhei as ruas. Voltei para a minha realidade, os veículos, as buzinas e o preenchimento sonoro urbano.


“Há mais coisas entre os céu e a Terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”

(William Shakespeare)

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