Roubada 🔵

 




A rotina aciona automaticamente o piloto automático. Isso aconteceu num dia comum. Ela foi com seu automóvel ao salão do clube central da cidade. Já estava acostumada com o trajeto, pois fazia aquele caminho e estacionava, praticamente no mesmo lugar, várias vezes ao dia, durante semanas.


Acostumada a encontrar a mesma cena, o carro estacionado atrás do clube, assustou quando se deparou com a triste realidade que batia à sua porta: agora ela era apenas um número a mais na triste estatística dos furtos de veículos. Era péssima a sensação de sair de São Paulo para ser tapeada numa cidade do interior. Conclusão: somente uma pessoa sem coração, muito ruim, seria capaz de provocar tanto mal. Quem, de onde seria e onde estaria ser tão perigoso, que não merece nem ser chamado de ser humano?


A inusitada ocorrência interrompeu o sossego da cidadezinha. Transeuntes e funcionários saíram das pequenas, médias e grandes lojas, todos curiosos com o grande escândalo. Pois bem, para resolver o problema, forças policiais foram acionadas. A procura foi minuciosa, com o risco de haver a “justiça com as próprias mãos” (linchamento) — o que é comum em lugares onde não há muitos crimes. 


A força-tarefa procurou freneticamente, talvez mais com vontade de encontrar o bandido do que o próprio carro. Mas a proprietária se lembrou que estacionou o veículo em outro lugar. Foi conferir. O automóvel estava lá. Não havia ladrão, mas havia um batalhão fortemente armado e especializado, viaturas, amigos, curiosos e parentes envolvidos na recuperação do bem e ávidos pela captura do ousado meliante — é, talvez, sedentos por um pouquinho de sangue.


A preocupação (da dona) já superava a alegria de localizar o automóvel intacto. Como anunciar isso àquele monte de gente? E assim, claro, foi feito.


Por ser conhecida na cidade, a notícia se espalhou sem grandes problemas. Tudo voltou à rotina, a polícia voltou a atender ocorrências que ferem a Lei do Silêncio; os lojistas e funcionários, a atender os clientes; os curiosos e transeuntes continuaram sendo curiosos e transeuntes; e os parentes — e a proprietária — embarcaram no carro que foi sem nunca ter sido.

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