🔵 Artista na rua

 



Em São Paulo, eu estava atrasado e acostumado à rotina do que era o meu primeiro emprego. O ônibus velho se “esgoelava” e se arrastava até embalar. Pra minha “sorte”, o motorista era gente boa, pois dava preferência pra todos e conversava, justamente quando o aviso, recomendando o contrário, era conveniente.


Atrasado, na iminência de assinar o ponto alguns minutos mais tarde, fiscalizava cada metro vencido, comemorava (internamente) os semáforos evitados e os veículos ultrapassados. No entanto, aquele exato farol sempre fechava, retendo o ônibus por intermináveis segundos.


O semáforo finalmente abriu, mas o trânsito estava enroscado. Mesmo em São Paulo, isso não era normal naquele horário e ali. Fiz o que os outros passageiros, curiosos, já estavam fazendo: pendurei-me na janelinha e olhei. Procurei, mas não encontrei nem vestígios do acidente. O que interrompia o andamento rotineiro daquele, outrora, previsível dia, era algo que eu nunca imaginaria travando o tráfego.


Saído diretamente do ‘Show de Calouros’, programa do Silvio  Santos, o jurado Pedro de Lara. Diferentemente do personagem mal humorado e ranzinza, o cabeludo parou o trânsito distribuindo alegria e espalhando carisma.


Ali é o bairro da Vila Guilherme, antiga sede do SBT, era, portanto, um acontecimento corriqueiro alguns “palhaços” escaparem do controle do “patrão” (Silvio Santos).


A minha paranoia para chegar a tempo já não tinha efeito e vendo que o espetáculo a céu aberto não acabaria tão cedo, desisti de querer ganhar tempo.


Pedro de Lara não imaginava, mas suas “micagens” já me roubavam alguns minutos e subtrairiam preciosos números na minha folha de pagamento. Suas traquinagens estavam custando caro, sendo que eu jamais pagaria ingresso para assistir ao jurado odiado. Nem sequer sintonizava a televisão no programa do Silvio Santos para ter a infeliz experiência e vê-lo de graça.


Entretanto, olhando ao redor, constatei que eu era o único que não estava extasiado por testemunhar a subcelebridade na rua. Conformando-me com a situação, resignei-me e esperei o término daquele triste showzinho.


Finalmente, o ônibus seguiu viagem. Eu desisti de supervisionar a velocidade do coletivo e relaxei até o ponto final com uma justificativa, paradoxalmente absurda, mas plausível. 


Depois do entretenimento “gratuito” e depois de sua morte, o ator ficou “cult”. Nunca mais lamentei parte do ordenado que iria perder e até me orgulho da inesperada apresentação.




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