🔵 Perdeu, mané

 



Trabalhando em deslocamento por todas as regiões de São Paulo, era normal eu ir parar num bairro “proibido”. Um território inóspito, o fundão de um ônibus biarticulado, uma camiseta polo com a logomarca da empresa que eu trabalhava e um relógio ostensivo (como os do Faustão), a curiosa e perigosa configuração deve ter me destacado no campo de visão do ladavaz que embarcou no transporte coletivo. Analisando bem, deveria ser o fim de expediente do “senhor ladrão”, mas a ocasião lhe parecia bastante favorável. Não poderia haver cenário mais convidativo para eu exercer o único papel que, antes nunca do que alguma vez, me cabia: vítima.


Antes, o malfeitor resolveu espalhar o terror nos outros infelizes passageiros. Finalmente, a dupla (havia um ajudante) quis socializar o meu relógio. Dando uma de malandro (igual o Luís Roberto Barroso em Nova York), “negociei”. Esgotadas as possibilidades de o meliante seguir um caminho correto, começar a frequentar uma escola ou visitar a biblioteca, não fui bem compreendido, nem bem “atendido” pelo indivíduo, portanto, entreguei o relógio que comprei num camelô.


Se quem quis levar a vantagem era o ladrão, logo eu só poderia estar fazendo o papel de mané. Sim, mané sempre foi sinônimo de otário. É a vida, ao menos eu continuava sendo honesto, e isto é um valor que não se costuma encontrar no fundo de um ônibus.


Entretanto, uma dúvida poderia inverter os papéis: eu paguei barato no relógio vagabundo sabendo que o produto estava sendo adquirido em uma banca de camelô, portanto era falso; enquanto, o ladrãozinho roubou o relógio achando que estava tomando algo valioso e obteria um bom lucro ou algumas pedras de crack.


Sei que relógio que atrasa não adianta, mas aquele acertava pelo menos duas vezes ao dia. E a sensação de ser assaltado nunca será boa. Embora, esta triste experiência seja comum numa metrópole como a paulistana, este foi meu único e barato episódio.


A súbita hora extra e aumento da jornada de trabalho foi improdutiva e pessimamente remunerada. Aquele crime não compensou. 

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