🔵 Bicicletas voadoras




Aquela gangue de moleques (com uma média de 13 anos de idade) vinha tomando a Rua 13 de Maio. Como uma nuvem de gafanhotos a turminha corria e empinava as bicicletas “cross”, típicas dos anos 80. 


O filme E.T. — O Extraterrestre, visto no cinema, não saía da cabeça e fazia tudo parecer possível. Como levantar voo com as “bikes” parecia impossível — coisa da mente do Steven Spielberg —, o máximo que fazíamos era dividirmos umas três garrafas de “Baré Cola”, que era o refrigerante que as esparsas moedas conseguiam servir aos ciclistas mirins, portanto, a tubaína que éramos obrigados a gostar. Impossibilitados de obter a água negra do imperialismo estadunidense, exigíamos, com desassombrada assertividade, a pobre bebida carbonatada tupiniquim. Abastecidos de alguns copos do refresco, desempilhávamos as “bikes” e partíamos “aterrorizando” o bairro guarulhense.


Comportando-se como uma gangue de motociclistas malvados, os garotos seguiam “ameaçando” quem estivesse na frente e “apavorando” o bairro da Vila Galvão. Saltando lombadas, guias e rampas, empinando, “fritando” o pneu e, às vezes, quase atropelando pedestres distraídos, seguiam ziguezagueando as pistas e deixando vestígios de borracha, lama, graxa, peças, pele, osso, dente, sangue ou alguém no solo. Isto são marcas de infância.


De vez em quando ficava um pouco de sangue, um dente ou algum fragmento de pele pelo caminho, ou seja, conquistávamos uma marca de combate, geralmente ficava uma cicatriz. Especialistas, tipo um dentista ou um cirurgião, podiam apagar as marcas dos anos 80. Mercurocromo, mertiolate (que ardia mais que a ferida) poderiam curar rapidamente as sequelas dos acidentes do asfalto, entretanto mal disfarçavam os machucados, quando não expunha-os mais.


O que parecia uma pequena gangue de desajustados se comportando como uma horda de bárbaros que imaginavam-se aterrorizando o bairro, eram, na verdade, um bando de garotos que tinham que “entrar pra tomar banho” e “vestir um casaco pra não tomar friagem”. Além disso, às vezes, tinham “lição de casa” ou que “estudar pra prova”.


Naquela época, eu pedalava imaginando a trilha sonora do John Willians. Quem disse que bicicleta não voa?






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