🔵 Liquidação do Mappin

 




Com a “roupa de sair” eu ía para a “cidade”. Cidade era como meus pais e avó (todos interioranos) se referiam a qualquer centro de cidade. Na zona rural (sítio) era assim. Com minha mãe, na São Paulo dos anos 80, eu embarcava num ônibus lento e barulhento.


O metrô sinalizava a modernidade da cidade grande e a velocidade necessária para ver um cenário que me lembrava que era Natal. Eu já tinha decorado todo o trajeto: do ônibus, do Metrô e da estação São Bento. A escada rolante, símbolo do sedentarismo, aos poucos revelava o frenético trânsito humano da Rua São Bento.


No caminho, a pé, eu seguia minha mãe, que segurava minha mão: isso me permitia olhar pra frente, pra trás, pros lados, pra baixo e, principalmente, pra cima. No Centro da capital paulista, eu via muitos edifícios que já havia visto na televisão. 


Os enfeites, as marquises das lojas, o clima (em alguns pontos) e as luzes de Natal (antes da Lei Cidade Limpa) eram o mais próximo do que via em filmes e do que deve ser Nova York. 


Entretanto, a seriedade estampando o rosto das pessoas e o mau-humor de alguns denunciavam o clima tenso que aquela urbe carregava. Os incêndios nos edifícios Andraus e Joelma e o endereço escolhido, por muitos, para encerrar a vida — devido a fatalidade do Metrô, intensidade dos veículos e altura dos arranha-céus e viadutos — pesavam o ambiente. O barulho das buzinas e sirenes, os ônibus ameaçadores e a pressa só ajudavam a tornar o ambiente mais tenso.


Como a parte ruim ainda não estava na minha incipiente e seletiva realidade, concentrei-me no ‘Mappin’ que despontava na outra extremidade do Viaduto do Chá. Anteriormente à bem-vinda invasão dós “shopping centers”, o ‘Mappin’ era um cartão-postal no Centro Novo, dominava o comércio de rua e era a referência de que havia chegado o Natal. A loja de departamentos poderia lembrar, guardadas as proporções, as grandes lojas de Nova York, exemplo: Macy’s. 


Liberado da supervisão atenta e preocupada da minha mãe, eu tinha trânsito livre no andar Infantil da loja americana. Curioso, finalmente me sentia na ‘Duncan’s Toy Chest’, loja de brinquedos dos filmes ‘Esqueceram de mim’ e ‘Quero ser grande’.


Com a curiosidade satisfeita e algumas sacolas cheias de promoções da ‘Liquidação do Mappin’, eu descia o elevador ouvindo a ascensorista, com voz anasalada e burocrática, anunciando os departamentos: Cama, mesa e banho; Esportes; Calçados; Vestuário masculino; Eletrodomésticos etc. A ansiedade para pular do cubículo lotado, só acabaria quando a entediada ascensorista falasse: Lanchonete.

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