🔵 Vá ao teatro! Mas não me chame

 



Definitivamente, ir ao teatro não é pra mim. Talvez esse hábito exija um nível intelectual que não possuo. Entretanto, quando tento fingir que sou “antenado” e tenho um gosto cultural refinado, faço o sacrifício. Mas, ainda assim, fico com a impressão que a representação teatral não passe de uma pecinha escolar.


Enfrentar uma plateia “blasé” é pior. Este tipo de público faz questão de esfregar na cara que você não deve fazer a mínima ideia do que foi assistir ali. Um pessoalzinho descolado, antenado e citando peças obscuras — dessas que nem a turminha do Metrópolis conhece.


Meu amigo tinha um primo ligado com a cena mais “underground” de teatro que pode existir. Como frequentávamos as excelentes festas na Serra da Cantareira, nada mais justo que tirar uma noite de sábado para prestigiar a atuação da trupe.


Teatro de Bolso, Vila Madalena e aquele público “cabeça”, que olhava para nossa cara como se nós tivéssemos errado o endereço do “stand-up comedy”. Aquela combinação toda era um “combo” perfeito do entretenimento para poucos. 


Mesmo assim, arriscamos nos submeter ao critério daquela “gente fina, elegante e sincera” e, automaticamente, sermos observados como uma espécie exótica. Portanto, entramos no teatrinho minúsculo, ocupamos os assentos do fundo e aguardamos a atração. Pelo estado dos nossos trajes, tenho certeza de que éramos temidos. A proximidade realçou nossas diferenças.


Logo na entrada do elenco, gargalhamos ao ver figuras masculinas exibindo trajes femininos. Continuamos rindo meio fora de hora. Nossos risos tomaram conta daquele tacanho ambiente. A plateia, formada por gente do teatro e a nata da vanguarda das artes cênicas paulistana, no princípio ficou incomodada com o péssimo comportamento daquela escória em ambiente tão nobre. Nossa visão turva de mundo continuava contrastando com aquele povinho que se achava mais moderno porque tinha a “cabeça aberta”.


O quão ridícula era aquela situação: aquele teatro, aqueles atores, a plateia.... Todos fingindo pertencer a uma elite cultural urbana, tendo o “privilégio” de testemunhar uma manifestação artística para poucos. Mas todos estavam ávidos para devorar um “dogão” de rua com purê, milho, ervilha e batata palha, logo vi.


Nossa insistência em gargalhar começou a ser replicada. A nova reação do diminuto público nada mais era do que a galerinha “blasé” achando que não estava entendendo alguma coisa. Não cedemos o protagonismo. Conduzimos aquela pantomima ridícula, aquele jogral mal ensaiado até o derradeiro ato. Levamos aqueles nobres falidos para onde quisemos.


No final daquela aventura, o primo do meu amigo agradeceu as risadas efusivas. Coitado, mal sabe que havia franqueado a entrada àquela arena teatral a uma horda acostumada a rir de humor pastelão, histórias rasteiras, videocassetadas e piadas de mau gosto. O resultado de estudos e ensaios foi recebido com a mesma profundidade de um capítulo do ‘Big Brother’ ou ‘A fazenda’. Pronto, enfim havíamos encarado o programa do qual lamentaríamos eternamente.


Logo seríamos expelidos para o subúrbio, devolvidos ao porão cultural, garimpando no esgoto o que nos é permitido nos momentos de lazer.


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