🔵 Pérolas aos porcos

 



Aquele uniforme era bem ridículo, ainda mais em contraste com o desfile de moda estrangeira que passava na faculdade classe A. Muito embora eu me garantisse metido na calça de tergal e camisa barata. Também tentava, eternamente, ajeitar a gravata torta sem mostrar o elástico substituindo o nó.


Final de ano, o clima era diferente, melhor. As férias estavam chegando, os melhores alunos talvez já estivessem em alguma estação de esqui ou algum balneário na Europa. No “campus” já havia um clima de férias e a Secretaria de Direito, onde eu trabalhava, acompanhava esse ritmo. Alguns inspetores de alunos ficavam na Secretaria “cozinhando o galo”.


A Sala dos Professores estava cheia. Imperava o clima de “jantar inteligente”. Nas conversas, naquele simulacro de Supremo Tribunal Federal, um tentava parecer mais inteligente que o outro. Circulando entre magistrados, juízes, desembargadores, promotores e advogados, não me impressionei com toda aquela afetação verborrágica. Até achei engraçado quando percebi que os professores achavam que falavam em outro idioma ou que eu necessitava correr para o dicionário para compreender as conversas do cômodo.


O Diretor do curso de Direito Tributário anunciava nas rodinhas, grupos e duplas de conversas um vinho italiano chamado Frascati. Os catedráticos examinavam o rótulo da garrafa; nós, o conteúdo do vasilhame. Pouco importavam o nome, a marca e a procedência da bebida, o importante é que tinha álcool.


Aquela nobreza de plástico e o clima pedante eram mera disputa de erudição, farsa que não resistiria a meio copo do maldito vinho italiano. A exibição enciclopédica de conhecimentos, aquela ostentação de cultura e erudição, o desfile de gente grande brincando de Sorbonne estava prestes a ruir, todo mundo via.


A confraria seguia emulando o ambiente intelectual de Harvard, despejando um conhecimento superficial; enquanto isso, a ralé confraternizava com sua festa na Floresta de Sherwood.  Era claro, a verdadeira confraternização de fim de ano estava no “churrascão de fundo de quintal”.


E o vinho branco, o tal Frascati, rodando pra lá e pra cá, de mão em mão, recebendo “rasgados” elogios bajuladores.


Enquanto isso, o “chão de fábrica”, o “porão do navio”, “o pagode na laje” era a reunião mais agradável e sincera, com um linguajar simples. Trajando calças de tergal e falando de futebol, ríamos mais que os mestres ostentando paletós ingleses e discutindo a Revolução Francesa.


No entanto, faltava uma coisa: uma bebida alcoólica decente. Quando o festejado vinho italiano chegou no convescote proletário, não faltava mais nada. Dali, o vasilhame só foi liberado seco. Feito um reles Sangue de Boi, o Frascati matou a sede da plebe em simples copinhos descartáveis. Não havia “terroir”, nem “bouquet”, todos só queriam saber de “ficar bem louco”.


Não vi nada de especial na bebida europeia; só sei que, se fôssemos processados pelo delito, estávamos num dos piores lugares. Creio que o episódio foi minimizado porque aquele foi o nosso “Dia da Pendura”.




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