Aquela multidão estava ali para ver o velho palhaço da TV e suas — numa linguagem apropriada à antiguidade da atração — traquinagens. Certamente, eu e aquela criançada estávamos naquele colégio sob influência dos nossos pais. Ou seja, éramos a desculpa perfeita para nossos pais assistirem ao palhaço idoso que alegrou uma infância remota.
Como eu era muito novo, ainda estava incólume a um humor mais... por assim dizer, ácido. Meu futuro humorístico seria composto por revistas e programas mais anárquicos e viscerais como Mad, Chiclete com Banana, TV Pirata, Casseta & Planeta etc. Os estertores da censura ainda escondiam um escracho politicamente incorreto que transbordaria depois da abertura cultural. Entretanto, por ainda estar numa incipiente e inocente vida pueril, era tempo de eu ser capturado por piadas infantis do tipo ‘A praça é nossa’, torta na cara, pum com farinha e calça com elástico frouxo, uma coisa mais circense. Portanto, mesmo um refém, eu era um dos que aguardava a dupla de histriões dóceis, pimpões, serelepes, pirilampos e saltitantes.
A escola estava impressionantemente lotada, e eu mal sabia que estudaria lá. Como retratos, lembro que os palhaços eram muito populares, mas não sei se a impressão é inteiramente correta, acho que a expectativa dos adultos era maior.
Absorto com as palhaçadas da dupla atrapalhada, eu nem sequer desconfiava que no futuro seria “contaminado” por coisas como Xuxa e o palhaço “enlatado”, eletrônico, artificialmente simpático e completamente comercial Bozo. Tenho que admitir, a duplinha de farsantes Torresmo & Pururuca sabia entreter a plateia. Fazendo aquilo por gerações, eles claramente dominavam a psicologia de despertar a magia nas crianças e desembrulhar o encantamento em adultos.
Por ser um passado muito distante, restam poucas lembranças, então esta crônica é uma reconstituição quase arqueológica. A única conclusão, baseada em desconfianças, é que os nossos pais queriam muito ver os palhaços da televisão e dos tempos de criança.
