🔵 O anônimo unânime

 



Ver o Laert Sarrumor nas ruas de Higienópolis e acreditar que vi alguém famoso só poderia significar o auge do meu próprio anonimato. Quando, animado, arrisquei apontar discretamente e cochichar para minha namorada:


— Olha, o Laert Sarrumor! — apontei

— Quem!? — minha namorada respondeu

— Do Língua de Trapo — insisti

— ???


O breve, lacônico e decepcionante diálogo me fez voltar à realidade. Senti um misto de desapontamento e orgulho. Decepção por concluir que eu estava andando com uma garota que certamente conheceria o terceiro eliminado do Big Brother 7; e orgulho por me sentir um intelectual de periferia, desses que assistem ao programa Metrópolis, da “tevè” Cultura.


Decidi tentar novamente, dizendo que era o Laert, integrante do grupo paulistano ‘Língua de Trapo’, músico, ator, escritor... Além de parecer charada, isso ia me fazer parecer mais estranho, tipo esses caras que armazenam o potencial de, a qualquer momento, metralhar um colégio ou cinema.


No entanto, o vexame poderia ter sido muito maior. Se eu possuísse um caderninho de autógrafos ou um celular com câmera fotográfica, a abordagem seria mais agressiva. Nesse caso, o artista, é possível, ficaria surpreso, pois eu seria o primeiro transeunte a tratá-lo como celebridade. 


Cheguei à conclusão de que seria melhor ter ficado calado. Errei ao achar que Laert Sarrumor seria alguém famoso, sendo que esse artista equivalia, em notoriedade, a um figurante de ‘A Praça e Nossa’. 


Esse cara pode ter conquistado o desejo de muitos ricos e famosos, e eu não poderia ter interrompido esta tranquilidade: ele “aparecia” na televisão; ao que parece, morava num bairro legal; e não era importunado por fãs. Eu nunca poderia interromper aquele ilustre anonimato. Laert não pediu para ser reconhecido nas ruas, muito menos às três da madrugada. Ele só queria ser remunerado por sua arte, poder pagar uns boletos e morar em Higienópolis.


Naquele bairro, era mais provável, e digno, encontrar figuras notórias como: Jô Soares, Fernando Henrique ou, pelo menos, Adriane Galisteu. Entretanto, poupei Laert Sarrumor da minha inoportuna aproximação, portanto deixei o obscuro artista seguir em seu habitual esconderijo no meio da multidão.





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