Mais pesado que o ar e muito velho para voar — Para o alto e avante

 




Aquele aparelho não inspirava nenhuma confiança. Mesmo sabendo que quaisquer alterações não deixariam muita margem de sobrevivência, afivelei o cinto de, por assim dizer, segurança. O próprio cinto lembrava o pedaço de pano que, mesmo inútil, equipava o ‘Fiat 147’ e o motor causava irritação e pavor, como o motor de uma ‘Brasília’. Esta não foi a melhor maneira de voar, muito menos pela primeira vez.


Com o tempo, nada mais me preocupava nem a abertura do meu lado, onde deveria existir uma porta, nem os comandos replicados à minha disposição. Sim, para minha surpresa, se houvesse uma traquinagem do destino, logo no meu debute aéreo, eu assumiria o cargo de comandante daquela bicicleta voadora. Mas nada poderia ser pior do que quando aquele troço decolou. A partir daí, meu único medo era o aparelho voltar, da Bolívia, carregado de drogas.


Sinceramente, não notei grande diferença entre a decolagem do ultraleve e o meu ‘Gol’ 86 pegando no tranco. Entretanto, o sonho de Ícaro foi honrado mais uma vez. O voo panorâmico numa praia de São Paulo foi sem maiores sustos. Ser o passageiro e a tripulação daquela traquitana, devido a quantidade de ítens inseguros, gerou uma analgesia e conformação, de modo que eu não via mais perigo naquele voo do que ser transportado numa garupa de motocicleta, entre os carros, na Marginal Tietê.


Eu ainda ensaiei uns “ú-hus”, porém isto não foi necessário, pois o próprio piloto, burocrático, transbordava a mesma emoção de quem empurrava um carrinho de pipocas. No fim, a maior aventura foi pagar pelo passeio. O, digamos, “comandante” apenas pilotava aquela geringonça com um motor velho porque queria o meu dinheiro. Obviamente, achei aquilo justo, afinal concordei com o, vá lá, “plano de voo”.


Conclusão, meu primeiro voo não respeitou o cerimonial necessário a algo que não é tão trivial quanto guiar um ônibus. Muito pelo contrário, se o “piloto” tivesse um mal súbito, eu assumiria o manche.


Anos depois, voando numa companhia aérea, olhando a lotação, tive fé que, se o comandante tivesse um mal súbito, a probabilidade de eu assumir o comando da aeronave era praticamente nula.









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