🔵 Classe social

 




Colegas orelhudos, narigudos, “zóiudos”, baixinhos, magrelos, gordos e branquelos. Sobrenomes árabes, judeus e de várias outras origens. Tudo isso, em vez de gritar a diversidade étnica e cultural da sala de aula, era motivo para “zoação” ou “bullying”, como dizem há alguns anos. Afinal, eram todos brasileiros, alguns mais estranhos.


Nos anos 80, a “década perdida”, a hiperinflação desembocava um lote de “filhinhos de papai” oriundos de colégios particulares. Quando esse fenômeno financeiro acontecia, a classe média alta cortava o inglês, o balé, as aulas de música e, no desespero, as “escolas de ricos”. Era aí que tínhamos contato com produtos importados do Paraguai — tempos de “reserva de mercado”. 


Como índios, éramos apresentados a relógios G-shock, réguas com calculadora, caneta de 20 cores, tênis Forward (“Faroait”), calça da OP e outras bugigangas. A turminha nascida em berço de ouro, por outro lado, tinha a oportunidade de conhecer a merenda escolar da Prefeitura, a quadra de cimento e sem cobertura, o futebol com bola de papel e a total falta de perspectiva com a Humanidade.


Esse choque cultural causava um certo estranhamento antropológico e um automático e defensivo distanciamento, entretanto, o comportamento antissocial prevalecia. Os neófitos se condicionavam ao comportamento predominante e acostumado a sobrevivência com baixíssimo orçamento. No fim, parecia até mais divertido estudar enquanto digeria a merenda escolar, chutava canelas fingindo mirar um simulacro de bola de futebol e entrava na sala de aula sujo e sangrando. 


O estilo de vida, por assim dizer, alternativo era “draconianamente” oferecido em troca de boas notas e o uso de alguns materiais importados do Paraguai. Onde eu estudava, quem se desse bem poderia sobreviver em qualquer presídio de segurança máxima.


Depois, eu soube que as turmas eram separadas por letras: A, B, C, D e E. O fato de eu “cair” quase sempre na turma C explica muito minha classe social e meu interesse por estudos, na época. Os alunos que vinham de colégios nobres também não deviam ter um histórico escolar muito bom. O que igualava todos, eram os efeitos da hiperinflação.

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