🔵 Tudo resolvido na bala

 



Não havia outra opção, as diferenças seriam resolvidas num duelo justo. Essa maneira de acertar uma desavença já estava fora de época. Contudo, a influência dos filmes de “faroeste”, mais precisamente do Bang Bang à Italiana (Western Spaghetti), tornou praticamente inevitável o triste desfecho. Não tínhamos alternativa, as coisas teriam que ser desse jeito horrível.


Depois de contados os passos, eu e meu irmão viramos, revólver fazendo mira..., PÁ PÁ. Os  estampidos das espoletas, o cheiro de pólvora e o ritual mimetizado dos filmes, emprestaram dramaticidade à nova brincadeira. Porém, a encenação acabou por aí. Nenhum dos pirralhos admitia tombar. Mesmo depois dos tiros, não houve baixa. Ser derrubado no duelo, ainda que simulado, era humilhante demais. Os novos revólveres de espoleta estavam unanimemente aprovados, aposentando definitivamente a pistolinha d’água. Não bastasse o objeto politicamente incorreto, ainda teria um Forte Apache para brincar de genocídio indígena. 


Nos anos 80 as brincadeiras mais leves eram assim. O politicamente correto não seria sequer compreendido, por analfabetismo ou por incompreensão do conceito da expressão. Trabalho infantil, surra correcional, “brincadeira de mão” e guerrinha com pedra, o que hoje é visto com espanto, nessa época, era socialmente aceitável. Armas, mesmo que “de brinquedo”, seriam, ainda que num duelo pueril, vistas sem assombro. Detalhe importante: as armas infantis não vinham com identificação, o que habilitava o brinquedo (simulacro) a ser empregado num assalto a banco ou outra atividade criminosa. 


Atualmente, esse tipo de brinquedo e, consequentemente, a modalidade de brincadeira seriam prontamente reprovados. Meu pai, certamente, seria cancelado e chamado de “macho tóxico”, e a diversão considerada “hétero normativa”.


Tratando-se de outros tempos, meu pai, provavelmente, viu naqueles revólveres o que realmente eram: ao invés de instrumentos para ceifar vidas, peças de divertimento que disparavam tiros de festim, menos realistas que os de John Wayne ou Giuliano Gemma.


Nós, inocentemente, nos inspirávamos em Clint Eastwood, Lee Van Cleef, Terence Hill,  Franco  Nero ou quase tudo do “Bang Bang à Italiana”.


Hoje, contando com a boa vontade do Ministério Público, teríamos acesso à “Bazuquinha D’água do Gugu”.


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