🔵 Eu já comprei pão

 




Em cidades interioranas tudo é mais corriqueiro, mais comum, mais tranquilo. Pelo menos era essa imagem que eu tinha. Talvez essa fosse uma visão arquetípica, idealizada, confrontando o dia a dia impessoal do corre-corre da metrópole paulista. Acredito que até tenha sido assim há muito tempo, antes da globalização cultural.


Mas com essa ideia — inocência minha —, agi da maneira que minhas elucubrações fabricaram. Sim, um preconceito romântico, mas honesto. Andando pelas ruas estreitas de uma cidadezinha, vendo minha irmã no outro carro a caminho do que poderia ser a padaria, temi que ela pudesse comprar o café da tarde em duplicidade — acredite, essa era uma das mais preocupantes ocorrências que poderia alterar ou interromper o sossego da cidade.


O fato: dirigindo, nada discreto, coloquei meio corpo para fora do carro e gritei: “EU JÁ COMPREI PÃO. Creio que o recado foi recebido — como uma bomba atômica ou a explosão de uma usina nuclear — por quem se encontrava num raio de uns 300 metros. Apesar do aviso escandaloso, suplantando o susto, acho que a mensagem foi escutada e compreendida.


Tímido, em quaisquer momentos da minha vida, jamais teria agido daquela maneira, mas, equivocadamente, supus que ali aquilo seria normal. Com o desprendimento demonstrado, sacando que exagerei na manifestação, torci para que o ensurdecedor recado passasse despercebido, a não ser pelo alvo. Impossível. Fechei os vidros, abaixei e fui embora.


Toda a vergonha, todo o ônus da tresloucada atitude, parecendo urgente, ficaria para minha irmã que conhecia todo mundo; não para mim, um desconhecido forasteiro. 


Quando percebi que nunca deveria ter sentido vergonha pela desequilibrada atitude, inclusive ri da situação e dos comentários dos conhecidos que minha irmã provavelmente ouviria. No máximo ela deve ter se “desculpado” com essa: meu irmão apenas exibiu seus péssimos modos guarulhenses de convivência.


Decidi que nunca mais lançaria mão de inconveniente ou semelhante atitude, apesar de ser bom rir de si mesmo por ridículas e inofensivas atitudes.


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