🔵 Nocaute doméstico

 




Todo irmãozinho atormenta a vida dos mais velhos. E eu, como um irmão menor comum, cumpri o meu papel, enchi a paciência da minha irmã.


Não sei se o mais irritante era a minha voz infantil ou as “groselhas” que eu disse, também infantis, Eu, exercendo os meus direitos universais de criança, falei até ser neutralizado com um direto de direita. Confesso, fiz uma doação de sangue compulsória. Como a sala de minha casa não era um ambiente apropriado para o que poderia ser interpretado como um gesto altruísta, nem havia o recipiente adequado, o chão recebeu uma enxurrada de A+.


Também tenho que admitir, chorei. A cena deve ter sido bem dramática: ajoelhado e chorando, espalhei o líquido vermelho na barra da calça da minha irmã, gastando o meu pequeno dicionário de impropérios.


No meu respeitoso cartel de combates, essa foi a única vez que alguém me deu um soco; pela educação, bem como os modos de minha irmã mais velha, acredito que essa deve ter sido a solitária oportunidade que ela “enfiou a mão na cara” de um outro ser humano. Se bem que eu não era dotado de tanta humanidade assim. Uma criança e uma adolescente pode ser uma combinação explosiva. E foi. Se alguém ali tivesse o mínimo de conhecimento jurídico, eu teria sido recolhido dali direto para a FEBEM (atual Fundação CASA). Porém, fui poupado de mais esta humilhação. 


Poderia durar apenas uns dias, entretanto demorou décadas para essa mágoa cicatrizar. Confesso aqui, toda vez que andei armado pensei em me vingar daquele direto de direita. Contudo, não o fiz. Achei que seria deprimente demais confessar o porquê do assassinato e, além de tudo, ser aprendido. Preferi esconder esse rancor, guardar a mágoa e manter o silêncio, acreditando que a outra parte adotaria igual comportamento. Sem testemunhas, botei fé que o ocorrido permaneceria guardado a 7 chaves e enterrado. No entanto, não foi isso o que aconteceu e desde então mantenho conspurcado o meu desempenho nos ringues amadores.


Sei que esse embaraçoso episódio foi vergonhoso o bastante para ser eternizado numa crônica, mas finalmente me livrei desse fardo. Agora eu me sinto bem mais leve. Já era tempo. Graças a Deus...

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