🔵 Máfia Ceciliana

 




Máfia Ceciliana, aquele letreiro roubava a atenção de quem passava ali. Comigo e minha namorada não foi diferente. Gostando muito do assunto, não perderia a oportunidade de furar a “Lei Seca” numa casa que fazia alusão ao crime organizado do longínquo início do século XX, mesmo que quase 80 anos depois.


Entramos no recinto como se estivéssemos invadindo um território sagrado ou proibido. Melhor dizendo, como se ali fosse uma “speakeasy” (bar disfarçado para enganar a Lei Seca), e estivessem presentes alguns dos “capos” das famílias mafiosas dos Estados Unidos.


Mesmo sem a indicação de alguém, puxamos as cadeiras e começamos a examinar o local. A “omertà” (código de silêncio) apenas permite contar uma pequena parte do que vimos. Pois  bem, a primeira impressão, desagradável, foi de que entrávamos de penetras no final de uma festa.  Enquanto éramos observados, reparávamos na decoração do bar temático; o que mais chamou nossa atenção, era uma, digamos, instalação artística — uma mesa de pôquer e alguns gângsteres pendurados no teto.


Apenas duas mesas estavam ocupadas: em uma delas havia uma única pessoa, um sujeito pouco afeito aos cuidados de quem sai de noite, estava acompanhado de um copo e um toco de cigarro. Introspectivo, circunspecto e depressivo, parecia querer compartilhar sua solidão. Sua alternativa seria, com a televisão sintonizada num canal de televendas, perambular por um apartamento minúsculo e imundo do Minhocão.


O músico ocupou o seu banquinho e começou a executar algumas canções. Depois, descobri que o sujeito solitário com cara de filósofo suicida era o autor de algumas das canções. O violonista parecia ter consciência de que o palquinho de um restaurante era pouco pra ele; o nosso filósofo de botequim demonstrava certo orgulho por seu pensamento estar, enfim, sendo espalhado nas noites de São Paulo; ambos, provavelmente, julgavam-se “gênios incompreendidos”. 


Do nada, apagaram-se as luzes. Aumentou uma trilha sonora e alguns focos de luz iluminaram um artista no teto e um pano. Sabendo que aquele número foi preparado para nós, paramos tudo e prestamos atenção no espetáculo. O conjunto de evoluções no tecido (do teto ao solo) resultou em algo muito bom. Atendemos as expectativas e aplaudimos o artista.


Pronto, um artista mambembe, um poeta maldito, uma mama italiana, uns garçons meio preguiçosos e um casal avulso. Naquele cenário que emulava o clima mafioso, era fácil adivinhar que o papel de vítima já estava reservado para nós. Não restando outra saída, pedimos mais uma cerveja.


Como se colocássemos uma ficha, assim que chegamos cada funcionário foi acionado e exerceu sua obrigação: os garçons nos serviam como a nobreza, o músico tentou nos agradar, o artista executou seu número, quase perdendo a vida, porque quis dar o melhor de si e impressionar a pequena plateia. E a “Chefa” orientando cada um a ocupar sua função.


Somente quando saímos do recinto, fizemos a bem sacada associação do nome do lugar ao bairro paulistano onde estávamos: Santa Cecília. Era o ano 2.000, bebida alcoólica liberada, São Paulo, Brasil, entretanto, por algumas horas, experimentávamos algo que emulava um ambiente proibido, secreto e alheio à capital paulista.

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