🔵 O estadista tropical

 




Uma cidade pequena de Minas Gerais chamada Machado. Cidadezinha improvável para achar um ex-presidente. No sul de Minas, eu seria mais convincente, levado a sério, se dissesse ter avistado um OVNI lotado de extraterrestres ou o Saci-Pererê.


A bordo de um jipe e alguns puxa-sacos, dobrando a esquina e saudando a meia dúzia de bêbados do bar Carretão, vinha a simpática figura dona de um topete inconfundível que comandou a Nação. Fizemos o mesmo, saudando o, agora, candidato ao Governo de Minas Gerais. Tenho certeza que se ele fosse matreiro como nos tempos do Palácio do Planalto, não perderia tempo cumprimentando alguns bandeirantes que não renderiam um voto sequer.


Vendo e participando daquele episódio inacreditável, não tive como não me sentir nos anos 50 ou num livro de História. Realmente, a cena era tão anacrônica que o nosso comportamento era de eleitores saudando um redivivo Getúlio Vargas, talvez o Jânio Quadros. Só faltou uma bandinha de inauguração de loja. Tudo era arcaico como o “script” planejado pelo político mineiro. Aquela era a estética pensada. Tenho certeza, todos cumpriram seu papel e o candidato teve a certeza que aquela incursão dominical pelos arrabaldes de uma Machado vazia rendeu alguns eleitores que o reconduziram ao governo estadual.


Diferentemente do presidente que fazia vistas grossas para quantias de dinheiro que circulavam, inclusive na cueca, Itamar foi flagrado com uma modelo sem dinheiro, sem calcinha e sem vergonha. Foi com essa figura que o Brasil pôs para dormir, pelo menos por enquanto, o dragão da hiperinflação.


Itamar Franco, sem dúvida, foi o nosso presidente mais folclórico da redemocratização. Talvez esse cara seja o elo perdido entre a velha e a nova política. Nós, um bando de moleques, entramos no jogo e agimos como eleitores da velha guarda, saudando o velho político. Ele fingia que respeitava uns moleques de ressaca; nós fingíamos que, naquela pracinha, desfilava uma espécie de Dom Pedro II digno de acenos aparentemente subservientes, mas ostensivamente oportunistas e gozadores. 


Uns anos antes, a saudação renderia um par de muletas, uma dentadura e, quem sabe, um cargo público.


Com a eleição de Itamar Franco, concluo: o velho mineiro sabia bem o que estava fazendo quando decidiu visitar aquela cidadezinha do Sul de Minas.

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