🔵 O cantor bêbado

 




O Antônio Marcos estava bebendo na padaria! Com essa efusiva exclamação, algo prometia interromper a rotina daquela casa. Mas quem foi o Antônio Marcos? O cantor e compositor fez muito sucesso como cantor romântico, também na Jovem Guarda. Agora estava ali, numa padaria perdida num bairro de Guarulhos, equilibrando um copo com álcool, contando as histórias do mundo artístico e algumas piadas de salão.


Em casa, logo a notícia se espalhou. A partir desse momento, a curiosidade revezou a frequência àquela padaria. No começo dos anos 80, meus irmãos e eu éramos muito novos, mas suficientemente observadores para relatar o que estava acontecendo: a pessoa que cada um encontrou não era a mesma. Os efeitos do álcool fizeram que os que chegassem depois, encontrassem um cantor mais, eufemisticamente,  extrovertido. O processo de transformação tornava difícil o reconhecimento da figura cambaleante e histriônica que performava na velha padaria, escorado na geladeira de sorvetes. Definitivamente, ao vivo aquilo era chocante, portanto a televisão sempre enganou.


O cantor e compositor fazia um exagerado “esquenta” antes de um show no teatro do bairro. Mesmo sem idade suficiente para saber do drama pessoal, era evidente que aquele sujeito logo arruinaria sua própria apresentação. Mesmo assim, o périplo continuou, afinal era famoso, que aparece na TV, “alguém importante”.


Aquele curioso evento era um fragmento da história do músico. Aquilo que víamos, infelizmente, era um capítulo do descenso pessoal. Ou melhor (ou pior), o diagnóstico da derrocada. O que, para mim, era apenas um artista alterado e contando uma piada de papagaio, representava um prato cheio para os fofoqueiros da época.


O astro da TV, das revistas e do rádio jazia ali, escorado numa geladeira de sorvetes, contando causos e piadas que, hoje, devem disseminar o tédio no Retiro dos Artistas. Pelo que sei, não chegou a arruinar a apresentação. Lógico que não tive uma boa impressão do primeiro artista que vi fora da tela de um aparelho de televisão. 


Muitos anos depois, com a morte do cantor, fiquei sabendo que presenciara o contrário, aquele cara estava sendo consumido vivo pelo alcoolismo. Eu era testemunha de um ídolo em decadência. 

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