terça-feira, 9 de julho de 2024

🔵 Ela

 


Minha autonomia me livrou da iniciativa de adultos responsáveis para ir ao “Vila” (clube de campo). Então, bastava abastecer a mochila e disparar com a bicicleta. Pedalar com velocidade, de maneira quase suicida, era a alternativa para vencer a ansiedade e um bocadinho de irresponsabilidade e inconsequência.


Sem contas ou multas a pagar, e emprego que exigisse o compromisso diário, podia frequentar aquele clube diariamente. Apesar da liberdade conquistada por ter aceitado não ser homenageado no ‘Dia das Crianças’, eu ainda estava no limbo entre o parquinho de areia, equipado com gangorra, e a quadra poliesportiva.


Enquanto eu ainda pertencia a esses dois mundos, ela participava de uma roda de amigos. Como aquele pessoal era mais velho, e era fim de semana, deviam estar combinando uma noite longa, deduzi. Para mim, uma menina de uns 17 anos parecia uma senhora, ou seja, devia ser o que chamavam de coroa.


A minha atenção sempre era concentrada naquela garota, mas ela parecia usar aquele clube como “pit stop” para ir a outro lugar. Quem sabe, o que estava acontecendo ali poderia ser o próximo estágio, depois do parquinho e a quadra.


Pois bem, eu seguia circulando entre as modalidades esportivas, as lanchonetes, e lá estava ela, com sua turma.


***


Anos depois, na casa de campo de um amigo, a fogueira me atraiu para esquentar a noite fria e para escutar a lenha estalando. Talvez também atraída pelos mesmos elementos, a moça me ajudou a alimentar a fogueira. Após tantos anos, a garota não me parecia muito mais velha. A conversa foi inevitável. 


Aproveitei aquela inédita oportunidade para conversar com ela, que já foi alvo das observações platônicas da minha versão infantil. Notei que ela sabia. O papo saudosista, lembrando os tempos do clube, foi interrompido pelo seu marido, que ela conheceu naquela roda de amigos. Ela foi dar atenção ao esposo e ao filho. Embora aquilo só despertou memórias pueris há muito sepultadas, senti que um ciclo se fechou.


Para a decepção do leitor e, lógico, minha, esta crônica não acaba como o roteiro de um filme romântico. Como se trata de uma historinha verdadeira, o final não foi muito feliz.

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