Aparentemente, não havia nada fora do cotidiano na capital paulista, entretanto, não é todo dia que se vê o ser mítico que habita lugares silvícolas como as florestas (o Saci Pererê) num ônibus — no ambiente urbano, circulando por ruas, avenidas e viadutos, entre edifícios e semáforos. Sua reação sinalizou que o ator estava acostumado com os olhares tentando descobrir quem seria o “famoso quem?”.
Eu não estava ficando louco, tampouco sonhando. O fabuloso personagem havia saído do fantástico mundo do ‘Sítio do Picapau Amarelo’ para se materializar ali, num banco do coletivo para a USP - Cidade Universitária! Embora inverossímil, eu nutri minha imaginação com algo que acabou com a normalidade de mais um dia corriqueiro.
Aquilo era demais para a minha cabeça, achar que aquele sujeito se tratava do folclórico personagem tabagista e portador de necessidades especiais! Era improvável que aquele habitante do paraíso idílico estivesse a bordo do transporte público da metrópole paulista. Contudo, apesar de tudo aquilo parecer uma ilusão, era o que meus olhos viam e, como já aconteceu outras vezes, não era inédito eu ver alguma figura famosa no dia a dia.
Por o ator reunir características que dispensavam os serviços da pós-produção, o busão vazio e aquele onírico sábado ensolarado, tudo ficou mais próximo da realidade (ou fantasia?!) da fábula lobatiana. Eu já não me importava se no fundo do ônibus eu encontrasse outras criaturas do plano da fantasia como o morigerado sabugo de milho e baluarte do imaginário popular Visconde de Sabugosa, a cobra de fogo Boitatá, a boneca de pano animada Emília, o nobre porco de cartola Marquês de Rabicó e a assustadora Cuca.
Tudo acabou quando o suposto ator que interpretava o Saci Pererê desceu no bairro de Pinheiros. Foi aí que parei de confundir a realidade e a fantasia; fui transportado do universo paralelo e bucólico dos devaneios do escritor Monteiro Lobato e jogado na dura realidade da fuligem e do barulho das ruas de São Paulo.
